Um pueblo afro-colombiano, sem água ou luz, mas com amor e união
Jorge André em frente a sua casa |
Jorge André
é um garoto de 17 anos, alto, magro e doce. Terminou a escola há pouco tempo.
Agora vende côco, que colhe do quintal da casa do tio, na praia. Normalmente
tira o equivalente a R$20 por dia, mas metade fica pro hotel, onde ele aborda
os turistas com sua mercadoria. “Meu sonho mesmo era ir estudar em
Cartagena...”, diz com a voz baixa e o olhar longe. “Queria trabalhar na
Marinha, sabe? Mas só quem tem pai com dinheiro consegue sair do pueblo. ” E
quem tem pai com dinheiro aqui?, pergunto. “Ah, os caras que cuidam das ilhas
quando os donos não estão, que mantém a casa organizada pra eles, que preparam
tudo pra quando chegarem terem só diversão... Esses caras que trabalham como
caseiros ganham bem. Daí guardam a grana pra mandar o filho estudar fora”.
Ele se
refere ao arquipélago Islas del Rosário, formado por 27 ilhas, a maioria
privada, no Caribe Colombiano. Foi lá que passei a semana da Páscoa com a minha
família. Escolhi o lugar pelas fotos do mar, mais especificamente pela cor
dele. De longe, turquesa. De perto, transparente. Fica a 45 minutos de barco de
Cartagena.
Apesar de o
meu hotel ser um resort, não tinha nada pra fazer ali além de relaxar. O que eu
teria amado fazer, se as minhas três pequenas cheias de energia deixassem.
Então, inventei uns passeios. Foi durante a canoagem pelo mangue que nosso
barqueiro parou no pueblo para que a gente conhecesse a população local da Isla
Grande, onde estávamos hospedados.
Cruzamos homens
e mulheres com pouca roupa, devido ao calor absurdo. Muitos carregavam galões
de água pesados na cabeça. Artesãs quase imploravam para que olhássemos seu
trabalho. Cachorros misturados com cabritos andavam pelas ruas de terra... Nosso
guia nos contou um pouco da sua história. “Aqui somos todos afro-colombianos.
Estávamos espalhados pela ilha até que o governo quis nos expulsar, nos mandar
pra Cartagena. Queriam nos jogar lá... Mas o que a gente faria na cidade grande?
Não sabemos dirigir, só sabemos pescar e viver na ilha. Então a gente se uniu
nessa comunidade aqui, que tem cerca de 750 pessoas. Porque juntos somos
fortes. Conseguimos uma escola e um centro médico. E fomos pesquisar o nosso
passado e lutar pela nossa dignidade. Em Cartagena, descobrimos um documento de
1800 que dizia que essa ilha era, por direito, do povo negro colombiano, que
não poderia ser vendida. Que enquanto houvesse um negro, ele poderia viver
aqui. Com isso em mãos, conseguimos negociar com o governo esse espaço, que é
só nosso. Aqui quem faz as leis somos nós, o governo não pode intervir.”
Voltei pro
hotel mexida. Aquele pueblo era como um quilombo.
Lembrando
das aulas de história, os quilombos eram para
onde os negros fugiam durante o período de escravidão no Brasil. Como tinham
que ser lugares escondidos, a comunidade se unia de maneira a não depender de
recursos externos. Depois da abolição, grande parte continuou nos
povoados que formaram. E, com a Constituição de 1988, ganharam o direito à
propriedade e ao uso da terra em que estavam como reconhecimento da injustiça
histórica que sofreram.
No começo
desse ano, 29 comunidades foram certificadas no Maranhão. Com isso, agora são
500 certidões e 682 comunidades reconhecidas só no Maranhão. No Brasil todo,
são 2.465 certificados para 2.890 comunidades quilombolas.
Mas,
infelizmente, nem todo mundo reconhece a luta dos negros no Brasil.
Recentemente, em palestra para cerca de 300 pessoas, o
deputado Jair Bolsonaro afirmou que, se for eleito, pretende acabar com todas
as reservas de terra de indígenas e quilombolas. “Eu fui num quilombo. O
afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que
nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com
eles”, discursou.
No dia
seguinte, quis voltar lá pra saber como viviam aquelas pessoas. Cheguei nos
artesãos da praia e perguntei quem poderia me acompanhar ao pueblo. Foi quando
o tímido Jorge André foi recrutado. “O menino do côco te leva”, disseram. Foram
45 minutos de caminhada sob um sol escaldante. Pelo caminho plantação de milho,
melancia, pitanga, amora, mamão, abacate e muitos coqueiros.
A
comunidade não tem água encanada. Eles têm uma alberca, que é abastecida por
Cartagena. O galão custa mil pesos colombinos, que seria como um real. Vi
crianças pedalando com galões pendurados. Eletricidade também é para poucos.
Alguns têm pequenos geradores em casa. Jorge André é um deles e por isso tem
uma TV.
Ele é o
caçula de uma família onde mora com o pai, dois irmãos e uma irmã. A mãe foi
embora pra Barranquilla há quatro anos e nunca mais deu notícia. Seus irmãos
trabalham como guia nos hotéis da redondeza. A irmã é cozinheira e o pai
pescador. A casa deles tem um cômodo, onde ficam as quatro camas. O banheiro
fica de fora. Geladeira não existe no pueblo. As poucas e pequenas lojas não
vendem nada que precise ser refrigerado. O que for cozinhado, deve ser
consumido no mesmo dia.
Na rua,
vejo um senhor empurrando um carrinho enorme, lotado de cerveja e pergunto. “O
pessoal bebe muito aqui?”. No pueblo tem uma discoteca, que apesar do nome, é
um bar. Abre aos sábados, das 14h à 1h. Lá, as pessoas bebem e dançam enquanto
tomam as cervejas.
Peço pra
conhecer a escola e sou informada de que fica um pouco mais afastada. “Quer
mesmo andar até lá?”. Quero! No caminho passamos por uma igreja evangélica.
Continuamos e percebo que me olham com curiosidade. Acho que nenhum turista
passa das barraquinhas de artesanato, na entrada do pueblo. Jorge André dá
tchau pra todo mundo, chamando-os pelo nome, sempre com um sorriso aberto no rosto.
“Aqui todo mundo se conhece e é amigo”.
A escola
estava fechada porque já era final de tarde. Os professores vêm todos de
Cartagena. Chegam na segunda e vão embora na sexta. Jorge André me mostra,
orgulhoso, onde é a sala de computação. Não vi equipamentos, talvez estivessem
guardados. Pergunto se usam a internet e ele diz que sim. “Até no celular a
gente usa, mas só pra coisa tipo facebook ou alguma pesquisa da escola”. As
paredes são pintadas com frases inspiradoras de Nelson Mandela como: “Tudo é
considerado impossível até acontecer”. Ele lê e se lembra que um amigo próximo realizou
um sonho. “Um companheiro da escola jogava futebol muito bem e foi chamado pra
um time de Barranquilla...”.
O menino
doce me acompanha de volta ao hotel. Me pergunto o quão duro deve ser viver tão
perto e tão longe daquela realidade de luxo. Mas se não fossem esses hotéis,
Jorge André e seus irmãos não teriam emprego...
Penso no
Brasil... Quando o assunto é cota para negros em universidades, sou a favor.
Temos essa dívida histórica com os negros, que sofrem com o preconceito e a falta
de oportunidades desde a escravidão.
Ainda hoje atrizes consagradas como
Taís Araujo, Juliana Alves, Sheron Menezzes, Cris Vianna e Preta Gil são
atacadas por gente racista na internet. Quando as pessoas vão entender que
somos iguais? Sabe o samba, que a gente adora? Veio da África. E a feijoada,
que hoje está nos cardápios dos restaurantes mais conceituados? Foi inventada
na senzala. Os escravos, nos escassos intervalos do
trabalho na lavoura, cozinhavam o feijão, que seria um alimento destinado
unicamente a eles, e juntavam os restos de carne da casa-grande, partes do
porco que não serviam ao paladar dos senhores. Sejamos gratos. Mais empatia,
mais amor.
Oi Linda só mesmo você consegue viajar com 3 pimentinhas + mae +marido e ainda encontra tempo pra escrever....estou adorando.....você vai conhecer a Colômbia "10 x mais"....do que o México
ResponderExcluirbjs
Papai